terça-feira, 16 de março de 2010

:: A emenda Ibsen e a imoralidade

Como o tempo sempre joga contra nós, não consegui manter o blog no ano passado. Sequer pretendia reativá-lo, mas a mais recente e absurda disputa política envolvendo o Rio de Janeiro me deu motivação suficiente para pelo menos mais este texto.

O deputado Ibsen Pinheiro, do PMDB do Rio Grande do Sul, propôs recentemente uma emenda que apresenta uma nova forma de gerir a distribuição dos royalties advindos da exploração do petróleo no Brasil. De forma simples e clara, isso beneficiaria todas as unidades da federação à exceção dos estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, sendo este o mais afetado.

Antes de qualquer avaliação da emenda é preciso compreender o que são os royalties, o centro desta discussão. Royalties podem ser entendidos como uma espécie de direito autoral, pago quando alguém ou alguma empresa explora comercialmente algo que não a pertence. Uma rádio paga 'royalties' à gravadora por montar sua programação com base em obras musicais alheias; empresas pagam royalties a outras empresas quando aplicam a um produto seu a tecnologia patenteada por outra empresa e, seguindo esta lógica, as empresas que exploram o petróleo na plataforma continental brasileira pagam royalties aos municípios e estados em cuja área o recurso é extraído porque estão lucrando com a comercialização de algo que não lhes pertence.

A atual forma de distribuição de royalties no Brasil remunera os municípios e estados produtores e leva em consideração outras questões além da acima exposta. Em primeiro lugar, a extração de petróleo gera danos ambientais que atingem diretamente a área onde o recurso é explorado. Em segundo lugar, a atividade de extração gera uma grande atração populacional para os municípios litorâneos do norte do estado do Rio de Janeiro, promovendo crescimento exponencial da população, sobrecarga sobre a estrutura urbana e sobre os serviços oferecidos nestes municípios. Mais gente pra estudar, pra adoecer, pra circular no transporte público, pra gerar lixo, pra poluir. O município de Rio das Ostras, por exemplo, teve acréscimento populacional de 105% entre 2000 e 2007, convive com constantes congestionamentos e observa o crescimento das taxas de criminalidade. Há que se considerar, ainda, que o petróleo é o único produto sobre o qual o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) incide no estado de consumo, não no estado de produção. Em outras palavras, o Rio de Janeiro concentra a produção de cerca de 80% do petróleo nacional, mas só recebe o ICMS que incide sobre a parte deste petróleo consumida no estado do Rio.

Por tudo isso, a política de distribuição de royalties é uma política compensatória, não um privilégio como muitos pensam. Ela remunera os municípios e estados produtores por todos os impactos negativos que a indústria petrolífera provoca.

A emenda Ibsen propõe que os royalties sejam distribuídos pelos estados seguindo a mesma regra que baseia a distribuição de recursos federais para o Fundo de Participação dos Estados. Assim, o Rio de Janeiro perderia cerca de R$7 bilhões anuais, deixando de ser o principal beneficiário para ocupar a amarga 22a. posição no ranking de recebimento de royalties num total de 26 estados. Resumindo, a emenda é um acinte. Absurda e imoral.

A Câmara dos Deputados e o Senado já a aprovaram. O presidente Lula pode vetar. Se vetar, cria um problema política com 24 estados brasileiros. Se não vetar, cria um problema político com 2 estados, sendo um deles, o Rio, um histórico reduto eleitoral do PT.

Considerando que estamos em ano eleitoral e que seja qual for a decisão do Lula, isso cria um problema político para o presidente, tudo aponta para uma mesma direção: a emenda Ibsen tem pretensões políticas, não econômicas. O deputado Ibsen Pinheiro não pretende com ela ganhar uns trocados às custas do Rio de Janeiro. Pretende, sim, ajudar a minar a candidatura de Dilma Roussef. E por fazer isso de forma imprudente, às custas de um estado, seus municípios e sua população, a emenda merece ser duramente repudiada.

Acompanhemos as cenas dos próximos capítulos...

9 comentários:

Clarissa disse...

Belo texto. Pedagógico e claríssimo, bem afastado do muro. Não só seus alunos, mas todos nós, que não estamos bem inteirados sobre esse assunto, agradecemos.

Bjs.

Fernando disse...

Eu não acho esse texto afastado do muro. Blog é opinião e opinião nunca é isenta. Porém, não condeno isso, ao contrário, acho que é saudável. Mas, discordo...

Em primeiro lugar, a definição de royalties está correta. Porém, o petróleo não "pertence" ao RJ ou ao ES ou às cidades. O petróleo está dentro do espaço territorial marinho brasileiro e, assim, é território federal e não estadual.

Em segundo lugar, partindo do ponto de vista compensatório, eu não acredito que nem o RJ, nem o ES e muito menos o RS (estado do qual sou nativo e onde moro) paguem ao PR, ao MS ou ao MT os royalties pelo uso da energia elétrica de Itaipu, que é produzida usando matéria-prima (água) da bacia hidrográfica que contempla esses três estados, e talvez outros que, por minhas limitações técnicas no assunto, não sei listar.

Em terceiro lugar, o impacto ambiental da atividade de extração de petróleo submarino não chega a ser significativo para as cidades envolvidas pois a plataforma estará a uma distância enorme dessas cidades.

E para finalizar, o impacto social nas cidades envolvidas já é mitigado pelo próprio aquecimento da economia local que é causado pelos maciços investimentos feitos, pelos empregos gerados e pelos impostos envolvidos em todas as atividades exercidas por essas pessoas empregadas. Ignorar isso é deturpar alguns fatos para benefício próprio.

Me inclino favorável à emenda do Ibsen pois acho que a divisão proposta inicialmente não é justa. O RJ e o ES não podem ficar com uma fatia absolutamente tão grande de tamanha riqueza que, na verdade, não lhes pertence. De maneira similar, os bilhões investidos em pesquisa sobre o pré-sal foram recolhidos de todos os estados da federação. Como todos investiram na pesquisa de um bem que a todos pertencem, acho mais do que justo que todos se beneficiem de fato com a exploração desse bem.

Clarissa disse...

Vou explicar a metáfora. "Afastado do muro" é igual a longe do muro. Se a pessoa está longe do muro, ela não pode estar em cima do muro, porque né. Quem está em cima do muro tem o muro aos seus pés. Logo, afastado do muro é igual a ter opinião.

Faber, seu texto é claro, opinativo, pedagógico e bem escrito.

Faber disse...

O companheiro Fernando pode se atualizar lendo o site da Itaipu Binacional onde vai descobrir que 15 municípios paranaenses recebem royalties pagos pela usina desde o início de sua operação. As justificativas são as mesmas que baseiam o pagamento dos royalties do petróleo.

Taí, se a emenda passar, proponho a bancada fluminense propôr a distribuição dos royalties de Itaipu, Tucuruí, a futura Belo Monte...

Segue o link: http://www.itaipu.gov.br/?q=pt/node/194

Unknown disse...

Dos 15 municípios paranaenses que recebem royalties tem alguns que perderam quase metade do seu território original para a barragem, terras muito produtivas... É só calcular qual a área que o RJ e o ES vão perder com as instalações para produção de petróleo e pagar essa quirera a mais de royalties a esses estados... resolvido. E o petróleo não é o único produto que paga ICMS no estado consumidor, isso é válido para a energia elétrica produzida em itaipu também, o PR é o maior exportador de energia no brasil e não recebe por isso... justo, injusto? O fato é que do jeito que era a distribuição não está justo, não dá, a esmagadora massa de brasileiros pensa assim. Eu até acho justo que quem produza receba um POUCO mais, mas não infinitamente mais, é um bem que está a quilômetros de distância tanto pra dentro quanto pro fundo do mar longe desses municípios e estados, é um bem do Brasil

Faber disse...

Acho interessante que os argumentos sempre se baseiam num outro caso de injustiça, mas ao invés de defenderem a correção desses problemas, propõem a socialização das injustiças. "Se eu não recebo pela energia, então você também não recebe pelo petróleo".

Também é interessante pensar que 7 bilhões a menos para um estado faz A diferença, mas 7 bilhões divididos irregularmente por 26 estados não resolve a vida orçamentária de ninguém. No final das contas, ninguém ganha, só o Rio perde.

Fernando disse...

Caro Faber, não se trata de socialização da injustiça. O que o PR recebe é uma compensação pelo impacto ambiental e perda territorial gerados pela presença da usina. Olha o valor de "royalties" que a Itaipu já repassou... 3,67 bi de dólares em 25 anos. Só a fatia do RJ é maior que isso ANUALMENTE.

O que acontece com RJ e ES não é nem parecido com isso... da maneira como está, esses estados praticamente são SÓCIOS da Petrobras, o que é uma palhaçada, visto que nem o governo do RJ nem o do ES possuem percentual algum do bolo societário da empresa.

Que o RJ e o ES devem ser compensados, não tenho dúvidas... mas isso deve ser feito com a parte dos royalties que cabem à União. Um repasse para compensar todo o custo social e ambiental que é causado ao RJ e ao ES.

Justificar que 7 bilhões é quase nada para os outros 25 estados, mas é muito para o Rio, é a mesma coisa. Socializar a injustiça.

Que há perdas grandes para o Rio, é evidente. Só acho que é totalmente descabido o funcionamento atual desse sistema de royalties. Talvez o RJ e o ES consigam alguma coisa na base do direito adquirido, o que é legal, embora nem sempre ético, pelo menos na minha concepção.

Mas para cargo de comparação, a Lei Kandir, nos anos 90, retirou do RS (e outros estados) uma arrecadação com exportações tão importante quanto são os royalties para o RJ. A União se comprometeu a compensar financeiramente vários estados por essa perda, mas até hoje o RS pleiteia por essa compensação. Porém, não há dúvidas de que era a coisa certa a se fazer.

Unknown disse...

Vcs sabiam que tem um caso de um municipio que recebe royalties da Petrobras que chegou ao cúmulo de usar porcelanato nobre em calçadas de beira de praia? E enquanto isso existem municípios que mal tem dinheiro pra folha salarial, e folha salarial municipal não é só vereador e acessor, são professores, médicos da saúde básica... E são bem esses municípios que qualquer trocado a mais fará a diferença, e essa diferença salvará vidas inclusive. Eu sei que o Rio de Janeiro agora vai ter dificuldades de fazer a mega infraestrutura pra Copa e pras Olimpíadas (balela), mas muitos municípios vão poder ter um médico e um postinho de saúde... Quanta injustiça essa lei! Ainda bem que a esmagadora maioria da Câmara assim o quer, ainda bem...

Anônimo disse...

fico feliz por vcs discutirem isso, pois eu tenho que fazer uma redação sobre o impacto na economia do rj e não estou entendendo nada.