288 mm de chuva em 24 horas. Mais que a média mensal. Combinação de um dia quente e de grande evaporação com a chegada de uma frente fria carregada de umidade. Muita água de uma vez só. Para escoar, rios canalizados e redes pluviais deficientes e parcialmente entupidas. A maré alta prejudicou o fluxo dos rios e a água acumulou. Enchente. Atrasos, compromissos cancelados, dificuldade para chegar em casa, carros perdidos.
A tragédia podia parar por aí, não fosse a geografia peculiar da cidade do Rio de Janeiro, repleta de encostas. A tragédia podia parar aí, não fossem essas encostas densamente ocupadas por populações pobres. Muita chuva, solos encharcados, ausência de cobertura vegetal, peso das construções. Deslizamentos. Casas perdidas, vidas perdidas. Desastre.
"A culpa é de toda a sociedade", disse Cabral. "Ninguém mandou construir em encosta. Cavou a própria cova", disse o caixa do supermercado onde eu fazia compras dois dias após a tragédia no Morro do Bumba, em Niterói.
Fico me perguntando como há pessoas que acreditam que a decisão por construir em encostas, várzeas ou qualquer outra área de risco foi de fato uma escolha. Que outra escolha poderia haver? Viver em áreas regulares? Com que dinheiro? Viver na periferia? Com este sistema de transportes que te rouba 5 horas diárias entre idas e vindas do trabalho?
Política habitacional? Oi? Geração e distribuição de renda? Hein? Articulação de redes e subsídios aos transportes? Ahn?
No final, a culpa é sempre da vítima. E agora há mais um forte argumento para obter apoio da opinião pública para a remoção de favelas. "É para o bem dessa população". Depois da Nova Sepetiba do Garotinho vem aí a Nova Conchinchina do Paes e do Cabral. E onde não há mais favela, refestela-se o capital imobiliário, remunerado e satisfeito. Mais encostas livres para plantar verde e acumular verdinhas.
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